O Xendro: 05/01/2011

Casa onde residiu o Brigadeiro Martins Leitão em Aldeia do Bispo

Há 41 anos, a queda de Goa

29/12/2002 | Mário Matos e Lemos
in: Diário de Notícias

Um relato apaixonante sobre alguns factos menos conhecidos do "Caso de Goa". Embora o caso faça já parte da história, parece que restam muitos pontos por esclarecer.
Quanto ao «milagre»!

Escrevi que o General várias vezes afirmara publicamente ter dito a Salazar que não pensasse em resistência, que só por «milagre», e acrescentei que ninguém vira tal telegrama, o que era verdade. Ainda bem que, num artigo para o jornal Público, o Sr. Carlos Azeredo, que infelizmente não teve oportunidade de combater na Índia (era Capitão e «oficial de ligação» do Governador), pôde ocupar os ócios a deitar um olho ao telegrama do Governador, que garantiu existir, levando-me a procurá-lo com redobrada atenção. Lá o achei. Vejamos, então, o que diz Vassalo e Silva em resposta ao Rádio que Salazar lhe enviara e em que afirmava, designadamente, não prever «possibilidade de tréguas nem prisioneiros portugueses» e que «convém, politicamente, que esta (a duração da luta) se mantenha ao menos oito dias» .

Vassalo e Silva responde em 15 de Dezembro (e transcrevo na íntegra): «Cônscio violência ataque tropas União Indiana e apoio que lhes pode ser dado interior terroristas instruídos, armados e incitados além fronteiras não deixaremos de aguardar serenamente e firmemente todas as acções desencadeadas contra territórios sagrados nação conscientes também da desproporção forças em presença fragilidade dispositivo defesa e exiguidade meios pessoal e material postos nossa disposição. Poremos tudo e própria vida serviço pátria mas será prudente admitir que só milagre poderá permitir prolongamento resistência tanto quanto se indica como necessário às diligências internacionais. Confiamos absoluto grande português tantas vezes tem salvo Portugal e cuja confiança em nós depositada desejamos honrar através todos sacrifícios.»

Para glória do General que «disse não» a Salazar, é impossível pedir mais.

UMA ÚLTIMA OBSERVAÇÃO: DA LEITURA DOS DEPOIMENTOS IMPRESSIONOU-ME O EXTENSO RELATO QUE O BRIGADEIRO MARTINS LEITÃO FAZ DAS SUAS DILIGÊNCIAS EM LISBOA, ENTRE FINS DE AGOSTO E 15 DE OUTUBRO DE 1961, E DE QUE DESTACO: «MANIFESTANDO EU, EM LISBOA, A S. EX.A. O SUBSECRETÁRIO DE ESTADO DO EXÉRCITO (TENENTE-CORONEL JAIME DA FONSECA), A S. EX.A. O GENERAL CHEFE DO ESTADO-MAIOR-GENERAL DAS FORÇAS ARMADAS (GENERAL GOMES DE ARAÚJO) ... E A OUTROS OFICIAIS GENERAIS A OPINIÃO DE QUE UNIÃO INDIANA IRIA ATACAR-NOS ANTES DAS ELEIÇÕES, ESTAS ALTAS ENTIDADES NÃO FORAM DA MINHA OPINIÃO, DECLARANDO QUE NEHRU NÃO QUERIA PERDER A FAMA DE PACIFISTA DE QUE SE VANGLORIAVA INTERNACIONALMENTE. S. EX.A. O GENERAL CHEFE DO ESTADO-MAIOR DAS FORÇAS ARMADAS ACRESCENTOU QUE A OPINIÃO PÚBLICA INTERNACIONAL ESTAVA A COMPREENDER-NOS E A PÔR-SE DO NOSSO LADO. ACRESCENTEI MESMO QUE S. EX.A. (O MESMO) ME INFORMOU DE QUE ALTAS INDIVIDUALIDADES DA INGLATERRA E DA AMÉRICA ESTAVAM A COMPREENDER-NOS MELHOR, FALANDO-ME S. EX.A. DA ACÇÃO DESENVOLVIDA PELO SR. GENERAL PINA EM CERTAS REUNIÕES INTERNACIONAIS» (PÁG. 10 DO DEPOIMENTO DO BRIGADEIRO).

NO PARECER EXPENDIDO SOBRE A ACTUAÇÃO DOS MILITARES QUASE NÃO HÁ REFERÊNCIAS AO DEPOIMENTO DO BRIGADEIRO MARTINS LEITÃO E, SOBRE ESTE PONTO EM CONCRETO, NEM PALAVRA. SE OS MILITARES DE GOA TIVESSEM IDO A CONSELHO DE GUERRA, ESTA POSIÇÃO DOS ALTOS COMANDOS PORTUGUESES TINHA VINDO A LUME. POR OUTRO LADO, A FALTA DE RESPOSTA TEMPESTIVA AOS PEDIDOS DE MAIS E MELHOR ARMAMENTO TEM, CREIO, UMA EXPLICAÇÃO, PARA ALÉM DA QUE FOI AVANÇADA: ERA NECESSÁRIO ABASTECER ANGOLA. A VERDADE É QUE, QUANDO REBENTOU O CONFLITO EM ANGOLA, O GOVERNO PORTUGUÊS ? QUE TAMBÉM NÃO CONSEGUIU PREVER O QUE SE PASSARIA ? VIU-SE SEM ARMAS E SEM DINHEIRO LÍQUIDO PARA COMPRÁ-LAS ONDE AS HAVIA. SALAZAR PARECE NÃO TER QUERIDO RECORRER A CRÉDITOS QUE PODERIAM SER MAL NEGOCIADOS DEVIDO À URGÊNCIA, NEM DESVIAR DINHEIROS ATRIBUÍDOS A OUTROS FINS, PELO QUE RECORREU À FUNDAÇÃO GULBENKIAN, CUJO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO APROVOU, EM 1961, UMA OPERAÇÃO DE INVESTIMENTO, EM DÓLARES, NA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS. SEGUNDO O ENTÃO PRESIDENTE, DR. AZEREDO PERDIGÃO, O CONTRATO FOI CUMPRIDO ESCRUPULOSAMENTE E A FUNDAÇÃO INTEGRALMENTE REEMBOLSADA. TUDO ISTO É UM DRAMA BEM À PORTUGUESA. ALTOS COMANDOS POLITICAMENTE POUCO CLARIVIDENTES (E AÍ A CULPA NÃO SERIA SÓ DELES), ALTAS PATENTES MILITARES QUE NÃO SOUBERAM PREPARAR OS SEUS HOMENS PARA A GUERRA E DEPOIS QUERIAM QUE ELES COMBATESSEM, FALTA DE DINHEIRO PARA COMPRAR O MATERIAL NECESSÁRIO. O MAIS ESPANTOSO É QUE ESSES MESMOS MILITARES SUSTENTARAM DEPOIS BRILHANTEMENTE UMA GUERRA DE 13 ANOS EM TRÊS FRENTES SEM QUE O PODER POLÍTICO CUMPRISSE O SEU DEVER.